A XIII Conferência de chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) decorre entre 16 e 17 de Julho em Luanda, e assinala o 25º aniversário de uma organização que, no dizer de Vasco Graça Moura, é uma espécie de organização fantasma, “que não serve para rigorosamente nada”, a não ser “ocupar gente desocupada”. Entretanto, nove personalidades da Lusofonia endereçaram hoje uma carta a Jorge Carlos de Almeida Fonseca e a João Lourenço, Presidente cessante e Presidente designado da CPLP.
Paulo de Morais (Portugal), Caio Mirabelli (Brasil), Daniel Almeida (Cabo Verde), Fernando Nobre (Portugal), Henrique Neto (Portugal), João Paulo Batalha (Portugal), Kiyoshi Harada (Brasil), Léo da Silva Alves (Brasil) e William Tonet (Angola), afirmam que:
«Em 2014, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa admitiu no seu seio a Guiné Equatorial como membro efectivo, na Cimeira de Díli. Nessa reunião, foi acolhido, pelos seus pares Chefes de Estado e de Governo, Teodoro Obiang.
«Perante a perplexidade da Comunidade Internacional, Obiang tomou então posse na CPLP, não obstante o seu percurso de décadas de líder totalitário em África e o facto de manter ainda no quadro legal do País a existência da pena de morte. A manutenção da pena de morte representava (e representa) um atraso civilizacional incompatível com a pertença a uma organização internacional que é regida por um conjunto de princípios que incluem, nomeadamente, o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”. Na cimeira de Díli, em 2014, a abolição da pena de morte na Guiné Equatorial foi justamente uma das condições para a sua admissão na CPLP, compromisso então assumido por Obiang.
«Mas, volvidos todos estes anos, aquela promessa não foi ainda cumprida. A Guiné Equatorial mantém o mesmo regime legal. Até hoje, vigoram na legislação equatoguineense artigos que contrariam os anúncios de extinção de pena de morte, nomeadamente o artigo 13º da Constituição da Guiné Equatorial, que prevê que a pena de morte seja regulada por lei. O Código Penal de 1967 ainda está em vigor e não sabemos quando se operará a sua substituição por um novo projecto legislativo que não contemple a pena de morte. Alem de que continuará a prevalecer no país o Código de Justiça Militar, que também prevê a pena de morte e que, aplicando-se às Forças Armadas, poderá ser estendida aos civis. A pena de morte está, pois, longe de ser erradicada do edifício legislativo equato-guineense.
«Ademais, o comportamento dos dirigentes máximos da Guiné Equatorial descredibiliza a CPLP. Teodoro Obiang é considerado pelas organizações internacionais como um dos líderes “predadores da imprensa”, o seu filho e vice-presidente do País foi condenado, em França, pelo crime de branqueamento de capitais.
«Não tendo havido quaisquer progressos na Guiné Equatorial em termos de respeito pelos direitos humanos; e não tendo as autoridades deste País implementado as medidas que se impunham, tendo em vista cumprir a sua promessa de eliminação da pena de morte, vimos instar a Conferência de Chefes de Estado e de Governo a iniciar o processo de erradicação da Guiné Equatorial da CPLP. Este processo de expulsão deve, em nosso entender, iniciar-se de imediato, ou seja, na cimeira de Luanda, que terá lugar nos próximos dias 16 e 17 de Julho.»
Obiang assume-se como rei do… bordel
No passado dia 5 de Maio, o Presidente da Guiné Equatorial disse que a comunidade lusófona (a CPLP, mais exactamente) não podia continuar alheada da situação de violência armada na província moçambicana de Cabo Delgado, sublinhando que uma “família de irmãos” deve regular-se pela solidariedade. Teodoro Obiang já fala como dono do bordel e, afinal, até tem razão.
“A nossa organização não deve permanecer alheia a esta tragédia, que ultrapassa a dimensão de simples conflito interno”, disse Teodoro Obiang, assinalando que Moçambique estava (como continua a estar) a ser palco de “agressões perpetradas, programadas e financiadas a partir do exterior” que estão a “ceifar vidas humanas”, provocando deslocações de pessoas, destruição de bens públicos e privados e “semeando o terror”.
Olhando para a mensagem e esquecendo a asquerosidade do mensageiro, diga-se que Obiang tem toda a razão e mostra quanto todos os outros reis do CPLP vão nus. Aliás, alguns deles têm pendurado na orelha a etiqueta que diz “fato criado por Giorgio Armani”…
O chefe de Estado da Guiné Equatorial falava na sessão de abertura da primeira cimeira de negócios da Confederação Empresarial da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP), que reuniu no centro de conferências de Simpopo, na ilha de Bioko, cerca de 250 empresários, além de delegações oficiais de vários países lusófonos.
Teodoro Obiang assinalou, neste contexto, que “os problemas comuns devem ser enfrentados em unidade”. “A CPLP deve tomar boa nota: uma família de irmãos deve ser regulada pelos princípios de equidade e solidariedade”, disse a criatura.
O chefe de Estado equato-guineense falou à plateia de empresários por videoconferência, pedindo desculpas pela impossibilidade de estar fisicamente presente no centro de conferências, justificando a ausência com “questões de última hora” relacionadas com a pandemia de Covid-19.
Num discurso lido em português (ou não fosse membro dessa outra aberração que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa), Teodoro Obiang alertou ainda para a “ameaça séria” da crescente actividade de pirataria no Golfo da Guiné, que, considerou, afecta 90% do comércio e coloca em causa a “própria existência” de países como a Guiné Equatorial.
“Este assunto requer a atenção da comunidade internacional e uma reflexão que nos permita unir esforços para a erradicação deste fenómeno”, afirmou.
Assinalando que a realização da cimeira coincide com a aprovação de um novo programa de integração da Guiné Equatorial na CPLP, no qual foi consagrada a vertente económica, sublinhou as oportunidades que o seu país oferece no domínio da energia, pescas, agricultura, indústrias transformadoras, turismo, transportes ou formação.
“São vastas as áreas de intervenção para os nossos parceiros económicos”, disse, considerando que a “estabilidade política” converte a Guiné Equatorial “num país propício para o investimento estrangeiro”. Um verdadeiro paraíso que, certamente, vale incomensuravelmente mais do que qualquer devaneio sobe democracia, estado de direito ou… direitos humanos
Aos empresários prometeu “maior abertura” do mercado, “melhoria contínua” do ambiente de negócios e criação de melhores condições para as empresas.
Obiang apontou que o país “acabou de ratificar” o acordo para a criação da zona de livre comércio africano, considerando que “abre novas perspectivas e vantagens para as empresas operarem a partir da Guiné Equatorial”.
Anunciou, neste sentido, ter proposto à CE-CPLP a construção de uma zona industrial em Bata, na parte continental do país, “com grandes oportunidades de negócios” para o estabelecimento de parcerias com as empresas da Guiné Equatorial.
“Disponibilizaremos terrenos e facilidades administrativas e fiscais para este projecto. Queremos que as empresas da nossa comunidade se instalem na Guiné Equatorial e contribuam para o crescimento e desenvolvimento económico e social que vão tornar esta comunidade mais forte e competitiva”, disse.
No discurso, Teodoro Obiang afirmou também “a determinação, firmeza e fidelidade” aos objectivos e princípios da CPLP.
“Juntos somos mais fortes, vamos avançar e libertar os nossos povos da fome e da miséria a que se encontram votados”, disse Obiang.
Antiga colónia espanhola, a Guiné Equatorial aderiu à CPLP em 2014, mediante o suposto cumprimento de um roteiro que prevê, entre outros aspectos, a abolição da pena de morte – compromisso que ainda não foi cumprido – e a generalização do uso da língua portuguesa.
Governada há 42 anos pelo Presidente Teodoro Obiang, a Guiné Equatorial é um país rico em recursos, mas com largas franjas da população abaixo do limiar da pobreza. Nada que a CPLP não compreenda, desde logo por um dos seus mais emblemáticos membros, Angola, ter mais de 20 milhões de pobres.
Um dos principais produtores de petróleo de África, é considerado pelos grupos de direitos humanos como um dos países mais repressivos do mundo, devido a acusações de detenções e torturas de dissidentes e alegações de fraude eleitoral.